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“Adolescência”: o que a série revela sobre crimes digitais

Maior sucesso da Netflix em 2025, a minissérie britânica “Adolescência” vem batendo recordes de visualizações: desde sua estreia na plataforma, em 13 de março, já ultrapassa a marca de 96 milhões de reproduções no mundo todo, liderando a audiência em 71 países.
O sucesso da série se deve, em boa parte, à forma como aborda um tema delicado e urgente: a cultura de ódio e a misoginia online, capazes de levar jovens a atitudes violentas e até mesmo fatais.
Adolescência revela o poder da internet na organização e efetivação de situações na vida real, em contextos onde crimes digitais podem ser planejados, incitados e até normalizados por menores de idade.
Quando o conflito começa na internet
A trama da série acompanha Jamie Miller, um garoto de 13 anos acusado de assassinar uma colega de escola. Embora o crime central aconteça fora das telas, a estória revela o caminho que levou até o crime violento, iniciado, em grande parte, no ambiente digital.
A série escancara como a internet sem supervisão pode se transformar em espaços férteis para o surgimento de discursos de ódio, perseguições virtuais e situações de manipulação emocional, sem que os responsáveis consigam perceber ou intervir a tempo.
Adolescência mostra perfeitamente como narrativas de ódio, misoginia, exclusão e vingança se consolidam no digital, por meio de redes sociais, fóruns e aplicativos de mensagens, antes de se materializarem no mundo real.
A tragédia, mesmo que fictícia, reproduz um comportamento cada vez mais comum em grupos conhecidos como “Incels” — abreviação de involuntary celibates (celibatários involuntários) —, compostos por homens que dizem não conseguir manter relações afetivas ou sexuais com mulheres e, por essa razão, alimentam hostilidade contra elas.
Essas organizações extremistas, na maioria compostas por jovens do sexo masculino entre 13 e 25 anos, já foram responsáveis por diversos crimes pelo mundo.
Impactos positivos da série
Mesmo tratando de temas tão delicados, “Adolescência” acabou gerando um efeito positivo: o sucesso da série ajudou a impulsionar ações e políticas públicas contra o discurso de ódio na internet.
O governo do Reino Unido, por exemplo, anunciou a disponibilização gratuita da série para as escolas secundárias do país, além do desenvolvimento de materiais didáticos baseados na trama para serem utilizados em sala de aula.
O debate sobre o assunto também foi ampliado e despertou diversos alertas a pais e responsáveis por crianças e adolescentes sobre a necessidade de reforçar a atenção ao uso da internet por menores de idade.
Crimes digitais e a legislação brasileira
Com o aumento dos conflitos e crimes que começam online, é importante entender: o que a legislação brasileira diz sobre isso?
Nos últimos anos, muitos avanços aconteceram, o que culminou na criação de diversos dispositivos jurídicos para lidar com delitos praticados no ambiente digital. Conheça os principais.
Lei nº 14.132/2021 – Crime de perseguição (stalking)
Trata-se da perseguição sistemática, originada tanto no contexto online quanto no digital, especialmente quando há obsessão e vigilância constante sobre a vítima, com impactos diretos em sua saúde mental, sofrimento psicológico ou restrição da liberdade da vítima.
A pena para o crime é de 6 meses a 2 anos, e a multa pode aumentar se a vítima for menor de idade.
Lei Carolina Dieckmann (Lei nº 12.737/2012)
A lei foi o primeiro grande avanço legal contra crimes cometidos digitalmente e criminaliza a invasão de computadores, celulares e outros aparelhos, com ou sem violação de senhas, com o objetivo de obter, alterar ou destruir dados sem autorização do titular.
A detenção é de 3 meses a 1 ano e multa, podendo se agravar caso haja comercialização ou transmissão dos dados obtidos ilegalmente.
Lei nº 14.155/2021 – Estelionato e fraude eletrônica
Essa lei alterou o Código Penal para agravar penas em casos de fraudes eletrônicas, como golpes de phishing, clonagem de WhatsApp ou fraudes bancárias via aplicativos de mensagens.
Pena: 4 a 8 anos de reclusão + multa, se houver uso de dispositivos eletrônicos.
Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014)
Considerada a “Constituição da Internet brasileira“, o Marco Civil estabelece direitos e deveres no uso da rede, como a liberdade de expressão e a privacidade dos usuários.
O dispositivo também traz responsabilidade aos provedores do espaço virtual, criando obrigações de manter logs de acesso por períodos determinados e remoção de conteúdos ofensivos ou ilícitos mediante ordem judicial (com exceção de pornografia de vingança).
Crimes do Código Penal aplicáveis ao ambiente digital
O Código Penal brasileiro já prevê crimes que, embora tenham sido pensados para o mundo físico, são plenamente aplicáveis ao universo digital.
Isso se aplica a situações de calúnia, injúria e difamação (arts. 138 a 140), Ameaça (art. 147) e Incitação ao crime e apologia à violência (arts. 286 e 287).
Penas para crimes que envolvam agressões verbais, insultos públicos, propagação de discursos de ódio e humilhação virtual podem ultrapassar os cinco anos de detenção e multas proporcionais à gravidade da situação.
Crimes digitais são punidos na “vida real”
Com intensidade e muito realismo, Adolescência revela como o ambiente digital deixou de ser um espaço separado do “mundo real”.
Ao contrário do que se imagina, a internet não é terra sem lei, e postagens de redes sociais, sites, plataformas e aplicativos de mensagens que violem a legislação podem ser usadas — e possivelmente serão — contra o autor perante à justiça.
A legislação brasileira tem avançado, e ações relevantes vêm acontecendo, como no caso de policiais e promotores de diferentes regiões do Brasil que estão se infiltrando em comunidades online para combater crimes brutais contra menores de idade.
Ainda há muito o que se fazer, e todo cuidado é pouco, especialmente na tutela de crianças e adolescentes no ambiente virtual. Mais do que punição, o cenário exige educação digital, políticas públicas eficazes e atualizações constantes da lei.
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