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Misoginia na internet: o ódio virtual contra mulheres

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A misoginia, entende-se como é a aversão, desprezo ou ódio direcionado às mulheres ou ao feminino como um todo. É uma forma de discriminação de gênero baseada na crença de que as mulheres são inferiores aos homens e merecem tratamento injusto e desigual.
Neste sentido, misoginia pode ser definida como a manifestação de atitudes, comportamentos ou crenças preconceituosas e hostis em relação às mulheres, suas características, capacidades e papéis sociais. Isso pode se manifestar de diversas maneiras, desde piadas ofensivas até discriminação e violência baseada no gênero.
Vislumbra-se que, a ideia de inferioridade feminina não surge com globalização dos meios de comunicação, infelizmente, é uma mazela que acompanha desde sempre a humanidade. Os direitos das mulheres foram ratificados de modo tardio, bem como aquisição de seu protagonismo social, estes são apenas alguns reflexos do patriarcado.

Misoginia no Brasil

No Brasil não foi diferente, em 1932 as mulheres conquistaram o direito ao voto, 1974 foi permitido que as mulheres portassem cartão de crédito, 1979 criado o direito feminino à prática de futebol. Em 1985, inaugura-se a primeira Delegacia da Mulher, 1988 promulgação da Constituição Federal que prevê expressamente igualdade entre homens e mulheres. Até 2002, o marido poderia anular o matrimônio caso a esposa não fosse virgem quando se casou. Em 2006, aprovada Lei Maria da Penha (nº 11.340/06), em 2015 Lei do Feminicídio (nº13.104/15), e somente em 2022 a autorização do cônjuge deixa de ser elemento obrigatório para realização de laqueadura (nº 14.443/22).

Neste sentido, destaca-se a legislação de nº 12.737/2012 mais conhecida como Lei Carolina Dieckmann, a qual realizou alterações no Código Penal e foi um marco para o combate contra crimes virtuais. No ano de 2010, a atriz brasileira teve seu computador pessoal invadido, e fotos íntimas divulgadas nas redes sociais após não ceder à extorsão dos criminosos. Antes da lei, a invasão do dispositivo informático eletrônico, como celulares e computadores, não figurava crime, apenas mero ato preparatório, ou seja, caso o infrator não reivindicasse a vantagem econômica ou causasse algum dano evidente, sua responsabilização não seria possível.

Cresce número de denúncias de casos de misoginia na internet

Segundo a AgênciaBrasil, entre 2021 e 2022 houve um aumento de 251% nos casos de misoginia e opressão contra mulheres no meio cibernético. Lamentavelmente, existem grupos ‘especializados’ em manifestar desprezo às mulheres, inclusive com incitações de violência física e psíquica. Os Incel (ou celibatários involuntários) são um grupo extremista que alimentam fóruns e chats na internet com discursos de ódio contra mulheres e também em oposição a homens que voluntariamente se relacionam com elas. Apesar de não ser um grupo organizado, esses agressores atuam sempre em conjunto.

Outro exemplo, é o MGTW, sigla para Men Going Their Own Way,traduzido do inglês ‘Homens Seguindo Seu Próprio Caminho’, é um movimento radical que acredita que, a solução para os problemas masculinos é não se relacionar com mulheres, não só afetivamente, engloba-se todas as formas de relacionamento social. Uma organização mais atual e está ganhando espaço nos últimos meses são o Redpill, trata-se de uma comunidade a qual repassa mandamentos aos homens de como se comportar e tratar mulheres para que estas não os controlem, reforçando a ideia de guerra entre sexos. Diversos desses ‘ensinamentos’ reforçam estigmas machistas e misóginos.

Casos misoginia nas redes sociais e sentença na Justiça

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios noticiou em 2019 uma condenação realizada pela 13º Vara Cível de Brasília ao autor do blog Hipocrisia Feminina (https://hipocrisia-feminina.blogspot.com.br) por posts de cunho misógino. O réu era servidor público, e com isso, possuía acesso a plataformas de processamento de dados. A partir da coleta, postava fotos e informações pessoais das vítimas sempre acompanhadas com declarações ofensivas ao sexo feminino, como julgamentos à aparência e vida privada dessas mulheres. A defesa se apoiou no discurso que as publicações não eram discriminatórias e que o réu estava no exercício do direito de liberdade de imprensa e opinião.

Neste caso, o juiz do caso utilizou de tratados internacionais de proteção às mulheres para fundamentar sua decisão, como a Carta de Princípios de Yogyakarta e Conferência Mundial dos Direitos Humanos. Reforçou ainda que, os direitos de liberdade de impressa e opinião não podem ser utilizados como mecanismos de propagação de ódio e violência. Condenou o réu ao pagamento de indenização no montante de R$ 30 mil reais em benefício do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) e determinou que excluísse todas as postagens do site. Mais detalhes em: TJDFT/PJe – 0714769-36.2019.8.07.0001.

O mesmo Tribunal, no recurso de apelação nº 0704507-18.2019.8.07.0004, interposto frente à 5º Turma Cível condenou dois réus ao pagamento de indenização à apelante que sofreu com comentários misóginos no Instagram. A Desembargadora Maria Ivatônia em seu voto salientou a violação da honra subjetiva da vítima através da atribuição de qualificações que ofendam o seu decoro e/ou dignidade. Ainda, enfatizou a importância do Poder Judiciário no combate ao machismo e sexismo, reformando a sentença de 1º instância que se debruçou no fundamento da livre manifestação de pensamento.

Tipificação da misoginia

A misoginia não é tipificada como crime específico, mas serve de fundamento para buscar de reparação de danos, sejam criminais, quando acompanhada por tratamento degradante e vexatório, lesões corporais e etc., ou no âmbito civil, nos pedidos de indenização material e moral. Além das leis esparsas, o Brasil é signatário à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra Mulher, Declaração e Plataforma de Ação da 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher, entre outros,com estes documentos internacionais, o Estado Brasileiro se compromete a desenvolver todos os mecanismos necessários para proteção da mulher, promover tratamento igualitário e digno.

Projeto de lei contra misoginia no Brasil

Em março deste ano, a deputada Dandara Tonantzin apresentou o projeto de lei 872/23 que tem por objetivo a criminalização da misoginia, de acordo com o projeto, a misoginia deveria integrar o rol previsto na lei 7.716/89 (dispõe sobre os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional). A proposta busca incluir a conduta na pena prevista de reclusão de 1 a 3 anos e multa, e será triplicada quando ocorrer mediante redes sociais, publicações na internet, etc. A deputada em seu discurso mencionou os Redpill, e que a autoria do projeto teria sido da pesquisadora Valeska Maria Zanello de Loyola.

Como registrar provas da misoginia na internet

Frente ao ataque misógino em algum meio de comunicação social, questiona-se como resguardar as evidências digitais. Se mundo informático é relativamente jovem, a responsabilização por crimes digitais e sua produção probatória é prematura. O legislador não será capaz de uniformizar técnicas específicas para coleta desses dados, visto a agilidade de alteração que o mundo cibernético detém. (BADARÓ, 2021) “Há, na prova digital, uma “congênita mutabilidade”. Em suma, trata-se de fonte de prova que pode ser facilmente contaminada, sendo sua gestão muito delicada, por apresentar um alto grau de vulnerabilidade a erros. ”

Dada a volatilidade, algumas ferramentas surgem como forma de suprir essa característica das provas digitais. Atualmente, Verifact é a única plataforma online capaz de fazer capturas técnicas de conteúdos da internet preservando a cadeia de custódia do CPP e atendendo normas forenses, reconhecida por diversos órgãos públicos, inclusive o Judiciário. Ou seja, dá segurança à vítima de preservar a materialidade da ofensa sofrida, e também ao processo judicial, a qual o julgador poderá sentenciar com base no meio probatório legítimo (SOUZA; MUNHOZ; CARVALHO, 2023) “Para embasar sua capacidade, a empresa disponibiliza em seu site diversos laudos emitidos por empresas de cibersegurança, afirmando sua capacidade de evitar a manipulação do conteúdo durante e após coleta e preservação do material […]”. Além do mais, serve como mecanismo alternativo às atas notariais.

REFERÊNCIAS:

AGÊNCIABRASIL, Denúncias de crimes com discurso de ódio na internet crescem em 2022.Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2023-02/denuncias-de-crimes-na-internet-com-discurso-de-odio-crescem-em-2022#:~:text=Em%202021%2C%20foram%201.097%20den%C3%BAncias,251%25%20entre%202021%20e%202022. Acessado 12 jul. 2023.

BADARÓ, Gustavo. OS STANDARDS METODOLÓGICOS DE PRODUÇÃO NA PROVA DIGITAL E A IMPORTÂNCIA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. 2021. Acessado 11 jul. 2023.

CAMARA DOS DEPUTADOS, Projeto de lei criminaliza a misoginia. Disponível em https://www.camara.leg.br/noticias/942988-projeto-de-lei-criminaliza-a-misoginia/. Acessado 13 jul. 2023.

CONJUR, Lei Carolina Dieckmann completa 10 anos com necessidade de complementações. Disponível em https://www.conjur.com.br/2022-dez-27/lei-carolina-dieckmann-completa-10-anos-elogio-cautela. Acessado 11 jul. 2023.

DO AMARAL MOTA, Taciane Cavalcanti. ENTENDENDO A MISOGINIA ONLINE: ASPECTOS PSICOSSOCIAIS. Publicações, 2023. Acessado 10 jul. 2023.

ESCOBAR, Patrícia Elena Santos. Misoginia e internet a manifestação do ódio contra mulheres no ambiente virtual e as possíveis implicações da Lei nº 13.642/2018. 2019. Acesso 07 jul. 2023.

G1, Redpill, Incel, MGTOW: entenda o que acontece em grupos masculinos que pregam ódio às mulheres. Disponível em https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/noticia/2023/03/03/redpill-incel-mgtow-entenda-o-que-acontece-em-grupos-masculinos-que-pregam-odio-as-mulheres.ghtml. Acessado 12 jul. 2023.

SOUZA, Bernardo de Azevedo; MUNHOZ, Alexandre; CARVALHO, Romullo. MANUAL PRÁTICO DE PROVAS DIGITAIS, 2º Triagem. Revista dos Tribunais, p. 79-80. 2023.

UOL, Red Pill: especialista explica o que é movimento que incentiva machismo e preocupa sociedade. Disponível em https://harpersbazaar.uol.com.br/estilo-de-vida/red-pill-especialista-explica-o-que-e-movimento-que-incentiva-machismo-e-preocupa-sociedade/. Acessado 12 jul. 2023.

Texto escrito por Emily Sato, acadêmica de Direito, em julho de 2023.

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